sexta-feira, 13 de maio de 2011

O MITO DA CAVERNA DE PLATÃO



Imaginemos uma caverna separada do mundo por um alto muro. Entre a muralha e o chão da caverna há uma greta, por onde passa um fino feixe de luz multicor vindo do exterior, deixando a caverna na obscuridade discreta, na penumbra quase completa.
Desde a gênese da criação, geração após geração, o ser humano se encontra ali, de costa para a entrada da caverna, acorrentado pela perna forçado a olhar apenas a parede do fundo, vivendo sem nunca ter visto o mundo, nem a luz do Sol, assim vive só. Reconhecem apenas sombras dos outros e de si mesmos porque estão no escuro, isolados e imobilizados.

Abaixo da muralha, do lado de dentro da caverna, há um fogo que ilumina vagamente aquela gente e, faz com que as coisas que se passam a toda hora pelo lado de fora sejam pro¬jetadas como ondas de sombras nas paredes de terra do fundo da caver¬na.
Do lado de fora, pessoas passam cantando, conversando e car-regando nos ombros figuras, molduras ou imagens de homens, mulheres e animais banais, cujas sombras também são projeta¬das na parede da caverna, como num teatro de deboches praticado por meros fanto¬ches.

Os prisioneiros julgam que as sombras de coisas a toas, são pessoas, que os sons de suas falas e as imagens que trans¬portam nos ombros vistas nos escombros, são coisas internas, e não externas, e que de fato os artefatos projetados são seres vivos que se movem se promovem, falam e calam.

Os prisioneiros se comunicam, dando nome às coisas, explicando a vida, que julgam ter, ver e saber; sem, contudo, tê-las, sabê-las nem vê-Ias, pois estão na obs¬curidade. Mas imaginam que as vozes vindas de fora, são as vozes das pró¬prias sombras e não dos homens cujas imagens estão projetadas na parede.

Também acreditam que os sons produzidos pelos artefatos que esses homens carregam nos ombros não são ruídos banais, mas vozes de seres reais. Qual é, pois a situação dessas pessoas abandonadas, aprisionadas? Que calamidade! Tomam as sombras por realidade!

Essa confusão, porém, não tem co¬mo causa a natureza dos prisioneiros e sim as condições duras das culturas em que se encontram. Que aconteceria se fossem libertados dessa condição deletéria de miséria?

Um dos prisioneiros, inconformado com a condição decadente, decide ir em frente. Com pedaços duma pedra reluzente fabrica um instru¬mento cortante, se apodera das imaginações e quebra os grilhões, não se atrapalha, avança na direção da muralha.
Enfrentando os obstáculos de um cami¬nho tribal, sai da caverna infernal e adentra no mundo real. No primeiro instante, vejam só, fica totalmente cego pela luminosidade do Sol, com a qual seus olhos esbugalhados não estão acostumados.

Enche-se de dor por causa dos movimentos que seu corpo realiza, e pelo ofuscamento de seus olhos sob a luz brilhante que lhe atormenta naquele instante. Sente-se dividido entre a incredulidade e o deslumbramento. “Incredulidade: já não sabe mais onde esta a grande verdade”.

“Deslumbramento: seus olhos não con¬seguem ver quase nada das coisas iluminadas”. Seu primei¬ro impulso é o de retornar à caverna para livrar-se da dor e do espanto, atraída pela escuridão duradoura, que lhe parece mais acolhedora. Além disso, precisa aprender a ver e esse aprendizado é doloroso, logo lhe desencadeia a síndrome do cavernoso, desejando voltar para a caverna do azar on¬de tudo lhe parece familiar.

Sentindo-se sem disposição para regressar à caverna por causa do caminho de treva, o prisioneiro permanece no exterior. Aos poucos, habitua-se à luz e começa a entender o mundo que ver. Encanta-se de verdade e tem a felicidade de finalmente ver as próprias coisas, e não apenas suas sombras.

Dora¬vante, desejará ficar longe da caverna para sempre e luta¬rá com todas as forças para jamais regressar a ela. No entanto, não pode evitar, passa a lastimar a sorte dos outros prisioneiros e, por fim, envolto na confusão, toma uma difícil decisão: regressará com brio ao subterrâneo sombrio para contar aos demais, a novidade, e trazê-los a liberdade.

Segundo Platão, esse mundo em que vi¬vemos é a própria caverna. As coisas projetam suas sombras, suas aparências em nossas consciências. Os grilhões e as correntes são falatórios e gestos indecentes produzidos por crenças decadentes.

Os cavernosos desconhecem o belo da estética, as virtudes da ética; na caverna do horror um professor não tem nenhum valor, e ao pobre cabe apenas cumprir a lei, superlotar os presídios, trocar votos por subsídios, se lambuzar na lama fria da periferia e perecer sobre os resquícios de PUS que infectam as camas assombradas do SUS.

(Por Antonio Oliveira)

Um comentário:

  1. Sensacional texto. A mais pura verdade!!! Quem dera se os bilhões de cavernosos ao redor do mundo se dessem conta que não precisam viver acorrentados às mentira convenientes à meia-dúzia de "poderosos".

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