domingo, 1 de agosto de 2010

A ÉTICA DE MURICY RAMALHO E O PARADOXO DO TRIBUNAL


Conta-se que o sofista Protágoras ensinou Direito (Leis) a um pobre estudante de nome Euatlo, com a seguinte condição: Euatlo deveria compensar Protágoras apenas quando conseguisse vencer sua primeira causa. Depois de concluir os estudos de Direito e Retórica, Euatlo abandonou seu antigo propósito e decidiu seguir a carreira política. Protágoras cansou de esperar o pagamento dos honorários e procurou seu antigo aluno. Euatlo contestou protágoras dizendo que não lhe devia absolutamente nada, justamente, porque segundo o acordo judicial ele deveria pagar somente após vencer a sua primeira causa, e isto não havia acontecido. Então Protágoras processou Euatlo a fim de fazer valer o acordo inicial. Em frente à corte, cada um dos dois confirmou a sua versão dos fatos com exercício de lógica e retórica impecáveis. Protágoras assim argumentou:
Se Euatlo perdesse a causa, então deveria obedecer a corte e, portanto, pagar a dívida. E se Euatlo vencesse a causa, então teria vencido a sua primeira causa, portanto deveria pagar a dívida, segundo o que fora acordado anteriormente.
A argumentação de Euatlo foi da mesma linha de Protágoras, ou seja, persuasiva e lógica. Ele afirmou que se tivesse vencido a causa a corte haveria reconhecido que ele não devia absolutamente nada a Protágoras e como cumpridor das leis deveria seguir a indicação. Depois afirmou ainda que se perdesse a causa, não deveria pagar nada, consoante o que fora acordado anteriormente.

Afinal, qual dos dois raciocínios é correto?
Qual sentença deveria pronunciar a corte?

Eis aí um belo paradoxo; de que forma sairemos dessa “aporia” (beco sem saída)? Percebo uma solução para esse problema na filosofia da moral de Immanuel Kant, desenvolvida em sua obra Metafísica dos Costumes (1785). Aqui Kant apresenta o “imperativo categórico”. O imperativo não admite hipóteses (se... então) nem condições em que o fariam valer em certas situações e não valer em outras, mas vale incondicionalmente para todas as circunstâncias de todas as ações morais. O imperativo categórico exprime-se numa fórmula geral: age em conformidade apenas com a máxima que possas querer que se torne uma lei universal. Ou seja, o ato moral é aquele que se realiza como acordo entre a vontade e as leis universais que ela dá a si mesma.
Essa fórmula permite a Kant deduzir as três máximas morais que exprimem a incondicionalidade dos atos realizados por dever. São elas:
1. Age como se a máxima de tua ação devesse ser erigida por tua vontade em lei universal da natureza;

2. Age de tal maneira que trates a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de outrem, sempre como um fim e nunca como um meio;

3. Age como se a máxima da tua ação devesse servir de lei universal para todos os seres racionais.

A segunda máxima afirma a dignidade dos seres humanos como pessoas e, portanto, a exigência de que sejam tratados como fim da ação e jamais como meio ou como instrumento para nossos interesses.

Essa parece ser a postura ética do treinador de futebol Muricy Ramalho que rejeitou um convite para treinar a Seleção Brasileira em respeito a um contrato assinado com o Fluminense. Que o nobre Muricy sirva de paradigma para muitos médicos brasileiros que desconhecem a ética e o juramento de Hipócrates, mas reconhecem apenas o mercantilismo, a venalidade.

KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. São Paulo: Martin Claret: 2004.

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