quarta-feira, 21 de abril de 2010

QUE É POESIA PARA O SOFISTA GÓRGIAS


O Tratado do Não-Ser organiza-se em três teses: nada existe; mesmo se o ser existisse, então seria incognoscível; e se fosse cognoscível, então este conhecimento do ser seria incomunicável a outrem. Para Górgias as coisas não são mais do que não são. Ainda que o ser existisse, não podia ser nem gerado, nem não gerado. Mas, mesmo se um tal ser existisse, as coisas seriam incognoscíveis, pelo menos para nós. As coisas que vemos e ouvimos existem porque são representadas. Contudo, tomamos conhecimento pela percepção e comunicamo-lo pela linguagem. Mas a linguagem não transmite a experiência pela qual o real se nos dá. Este é incomunicável, porque as coisas não são discursos. Das ruínas da ontologia, Górgias deduziu um pensamento não ontológico ou antimetafísico, onde reabilitava as aparências e afirmava a identidade entre o real e a manifestação. Se a aparência é modificável, o ser também o será. Isto nada tem de escandaloso já que, a realidade é contraditória e o princípio de identidade origina apenas uma ontologia que se contradiz a si própria. De facto, Górgias tinha uma concepção trágica da realidade. Ele tinha o sentimento profundo de que a linguagem não evoca senão a aparência, mas que esta aparência é legítima, do que é exemplo "O Elogio de Helena". Para Górgias, o real está dilacerado pelas contradições, o mundo humano exige uma tomada de posição e este mundo humano está por fazer. Seria através da poesia, nomeadamente da arte, que esta tomada de posição seria efectuada. Portanto, o papel da poesia seria criar a ilusão, mas uma ilusão desejável e boa. Só esta criaria a coerência mental a que Górgias chama justiça e sabedoria.

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